20 de fev. de 2005

E a vida continua

Pois é, depois das atribulações dos últimos dias, voltamos a tocar a vida.
Que estranho! Os dias estão diferentes, estou meio sem saber direito o que fazer ainda.
A casa tá vazia... Mas aos poucos a vida vai voltando ao normal.
Uma coisa boa: fui contratada para um trabalho de revisão enoooorme, um frila, que além de me ocupar bastante vai me dar uma boa grana extra.

5 de fev. de 2005

Aço frio de um punhal

"Aço frio de um punhal
foi seu adeus pra mim
Não crendo na verdade, implorei, pedi
As súplicas morreram, sem eco, em vão
Batendo nas paredes frias do apartamento
Torpor tomou-me todo
e eu fiquei sem ver mais nada
Adormecido tenha
talvez, quem sabe
Pela janela aberta
a fria madrugada
amortalhou-me a dor
com o manto da garoa
Esperança, morreste muito cedo
Saudade, cedo demais chegaste
Uma quando parte
a outra sempre chega
Chorar? Já lágrimas não tenho
Coração, por que é que tu não pára
A taça do meu sofrer findaste
É inútil prosseguir
se forças já não tenho

Tu sabes bem que ela era a minha vida
Meu doce e grande amor."



Essa era uma das músicas que meu pai mais gostava. "Súplica". E ele partiu nessa terça-feira, dia 1º, deixando uma saudade imensa no peito de todos nós, que partilhamos a vida com ele. Estava com 92 anos. Partiu serenamente, dormindo, com o seu dever mais que cumprido nesta existência. Tenho certeza de que agora ele está em paz.
Passamos os últimos sete anos juntos, eu, ele e Mateus. E agradeço a Deus por ter tido essa oportunidade, de cuidar dele, de conviver com ele em seus últimos dias.

Transcrevo aqui um e-mail que mandei pra minha sobrinha Julie no último aniversário dele, e que traduz bem o meu sentimento por ele:


Ju, amanhã, dia 14/11, é o aniversário de seu avô Nelson. Ele vai fazer 92 anos (!) mas ainda insiste em dizer que são só 90, como se fizesse alguma diferença. Ele sempre foi muito vaidoso, e quando ainda estava bem e forte, se orgulhava muito do físico e de não aparentar a idade que tinha, pois aos 80 e poucos anos ele ainda andava de bicicleta, andava até de moto, uma motoneta 50 cilindradas que ele comprou para ir ao sítio dele que ficava a 2 quilômetros de casa, e muitas vezes ia mesmo a pé. Tomava banho frio em qualquer estação, tomava banho de rio, tinha uma saúde de ferro e gostava de andar sempre muito arrumado e cheiroso. Depois do acidente (em 93) ele foi atingido duramente nessa vaidade, acredito que até por isso mesmo é que ele ficou deprimido e começou a definhar. Hoje, ainda tem boa saúde, conserva ainda uma memória razoável para fatos antigos, nomes das pessoas, das músicas que ainda gosta de cantar, conta piadas..., mas não anda mais, passa os dias sentado em sua cadeira-do-papai ou deitado. Estamos nos preparando para a partida dele, que pode ser breve ou ainda mais alguns anos, e estamos tentando dar um final de vida alegre e digno, com muito carinho e todo o cuidado possível. Agradeço a Deus pela oportunidade de poder cuidar dele esses anos todos, faço por ele o que não tivemos oportunidade de fazer por nossa mãe, que se foi tão cedo. Ele mudou a minha vida.
Outro dia ele me falou assim: "O que é que ainda estou fazendo aqui?" e eu respondi que ele ainda estava aqui por muitos motivos e que eu estava muito grata a ele por ter despertado em Mateus a afetividade e a doçura que ele tinha perdido pelo caminho da adolescência difícil que teve. Hoje Mateus é outra pessoa graças à presença dele em nossa vida. São amigos. Cúmplices nas brincadeiras e no gosto pela música. Ainda dá conselhos e Mateus ouve.
Ajudou também a mim, me tornou uma pessoa melhor.
Ele ficou muito emocionado e depois disso ficou mais alegre.
Me olhou bem nos olhos e falou assim: "quem diria, hein, minha filha?" Eu perguntei "quem diria o quê?" Ele disse: "Que hoje fosse você a cuidar de mim. A vida toda as pessoas diziam que você não tinha juízo, que era uma doidinha, irresponsável..." E aí ele riu muito, riu com gosto.


Agora estamos aqui, sem a sua presença, tentando nos acostumar com o vazio que deixou em nossa vida.